Por Henrique Fernandes

    A grande maioria dos autocaravanistas experienciou no passado alguma forma de campismo. Uma parte significativa passou igualmente pelo caravanismo. A todos, campistas, caravanistas e autocaravanistas, une-os uma atração homérica pela liberdade, pela natureza e pela aventura.

    À medida que as caravanas e autocaravanas foram adquirindo progressiva autonomia funcional, o conceito que ligava todo o universo dos Istas ao campismo foi-se modificando. Hoje é cada vez mais natural que uma caravana ou uma autocaravana possam cumprir a sua função em regime de emancipação em relação ao campismo tradicional, isto é, em relação aos “parques de campismo”. Dito de outro modo, o “campismo” passou de “acampamento” a alguma forma de “turismo itinerante”.

    Em alguns países da Europa, como é o caso da Escócia ou da Noruega, prevalecem regimes legais que privilegiam a fruição da natureza, com ou sem recurso a parques de campismo ou a outras estruturas aglomerantes, sendo possível a instalação legal de uma tenda, de uma caravana ou de uma autocaravana, isoladas ou em grupo, em qualquer espaço do meio natural, naturalmente dentro de certas condições de respeito pelo meio e pelos outros.

    Por exemplo, a Noruega prevê, na sua Lei de Livre Acesso à Natureza (Allmannsrett til friluftsliv), de 1957 (!), o respeito supremo pelas atividades que entre nós estão muitas vezes legalmente restritas a um universo formalmente designado ainda como “campista”. Na Escandinávia, é uma meta nacional oferecer a qualquer pessoa a oportunidade de ter atividades ao ar livre como forma de se promover a saúde e bem-estar pessoais, aumentar-se a consciência coletiva sobre a importância da interação com o meio-ambiente, e estimular-se o respeito do indivíduo e da comunidade pela natureza.

    É no fundo aquilo que poderíamos designar de “campismo livre”, sendo permitida a montagem de uma tenda ou a instalação de uma caravana (atrelada ou desatrelada) ou de uma autocaravana, inclusive com extensão do toldo, colocação de mesas e cadeiras, e demais ações comumente designadas como “campistas”, em qualquer espaço natural que não colida com direitos de terceiros.

    Portugal, tal como a generalidade dos países do sul da Europa, mantém um atraso de décadas em relação a esta forma inteligente e futurista de se olhar para a natureza. Por exemplo, a pernoita numa caravana no espaço público só é considerada legal se a mesma permanecer atrelada ao veículo trator…

    Sem se falar nos inúmeros regulamentos municipais nascidos a granel, os próprios POOC (Planos de Ordenamento da Orla Costeira) interditam, de forma a meu ver inconstitucional, o estacionamento noturno de autocaravanas ou do conjunto veiculo + caravana em determinados espaços, consumando uma opção estratégica aberrante: estes veículos podem permanecer na orla costeira durante o dia, competindo pelo espaço e estacionamento com todos os outros, mas não durante a noite, quando esse “problema” de competição já não existe…

    Este é o resultado da atuação, junto do legislador, de uma parte importante e retrógrada do lóbi campista, incapaz de se adaptar e de se modernizar, preferindo antes uma estratégia conservadora de manutenção forçada do seu negócio por via legislativa.

    De facto, se atendermos aos inúmeros estrangeiros que nos visitam durante meses, percebe-se facilmente que nenhuma caravana ou autocaravana consegue permanecer eternamente fora de um parque de campismo ou de estrutura análoga, assim lhes sejam oferecidas condições de atratividade para períodos de descanso intercalar e de atividades algo diferentes.

    É dever de todos os Istas lutarem para uma alteração significativa do quadro legal que interfere com os seus direitos e expectativas fundamentais. Portugal dispõe de condições únicas para a prática de “campismo livre” com tenda, auto-tenda, caravana ou autocaravana. Em última instância, através da criação do efeito de massa, isso traria enormes benefícios colaterais – também – ao sector do “campismo” tradicional!

    Por exemplo, se Portugal fosse visitado, devido a uma política de acolhimento muito mais bem estruturada e favorável, por 10 ou 20 vezes mais autocaravanas e caravanas estrangeiras, uma franja significativa acabaria – mais tarde ou mais cedo – por recorrer às estruturas tradicionais de camping.

    O futuro não passa pela divisão de conceitos entre os diversos Istas, mas sim pela união de objetivos primordiais, como sucede há décadas nos países do norte. Os bons exemplos são para seguir e, se possível, para melhorar!

Henrique Fernandes, autocaravanista, pedestrianista, campista e ex-caravanista